quando o erro nasce no cadastro

Episódio 1 – Quando o erro nasce no cadastro e morre no setor técnico

No papel, o cadastro de paciente é “rotina simples”.
Na prática, é o lugar perfeito para plantar um erro que só vai explodir horas depois, lá dentro do setor técnico, na forma de exame refeito, laudo atrasado e discussão entre equipes.

O “só um errinho” que vira efeito dominó

A cena é conhecida.

Recepção cheia, telefone tocando, convênio com regra diferente, paciente com pressa, sistema travando. No meio desse combo, alguém digita:

  • nome abreviado ou invertido
  • data de nascimento errada
  • convênio trocado
  • exame faltando ou com código errado

No momento, parece inofensivo.

“Ah, depois a gente acerta.”
“É só um errinho no nome, o setor técnico resolve.”

Esse “depois” nunca existe. O erro nasce na recepção, mas a conta chega para outro setor.

Onde o problema realmente estoura

O cadastro mal feito não grita na recepção.
Ele aparece horas depois de formas bem menos inocentes:

  • Exame liberado no paciente errado
    O terror máximo. Alguém percebe estranho no histórico, o médico estranha o resultado, começa rastreamento manual. A confiança já foi embora.
  • Material colhido errado ou a menos
    O pedido foi cadastrado incompleto. Coleta “faz o que está na etiqueta”. Depois o setor técnico descobre que faltou exame, precisa chamar o paciente de volta, remarcar agenda, ouvir reclamação.
  • Glosas e bloqueios do convênio
    Convênio trocado, carteirinha não conferida, código incompatível com o plano. A fatura volta, financeiro reclama, diretoria olha só para o “erro do faturamento”, sem enxergar que a falha começou lá atrás.
  • Briga entre setores
    “O problema é do cadastro.”
    “Não, é da coleta.”
    “Não, é do técnico.”
    Enquanto isso, ninguém mede onde a informação nasceu torta.

Por que ninguém leva cadastro a sério?

Porque o cadastro virou aquela etapa “operacionalzinha”, que todo mundo acha que é simples.

A verdade incômoda:

  • é uma etapa de alto risco
  • feita sob alta pressão de tempo
  • com baixo prestígio interno
  • e quase nenhum indicador de qualidade específico

Resultado: quando dá problema, o erro aparece com o crachá do setor técnico, Nunca com o crachá “cadastro”.

O custo invisível de um cadastro torto

Um cadastro mal feito não é só um campo errado na tela. É:

  • tempo da equipe técnica tentando entender o que aconteceu
  • telefone para médico, convênio, unidade
  • reagente e material usados em exame que será cancelado
  • hora de colaborador gasta em retrabalho
  • desgaste com paciente e médico

Financeiramente, a conta é pesada. Mas mais grave ainda é o custo de imagem. Ninguém conta assim:

“O laboratório errou o cadastro.”

O que chega no mundo real é:

“O laboratório errou meu exame.”

O problema não é a pessoa, é o desenho do jogo

Na maioria dos laboratórios, o cadastro funciona na base do “faz rápido que a fila está grande”.
Pouca gente realmente:

  • revisa campos críticos
  • confere automaticamente consistência de dados
  • consegue rastrear onde o erro começou

Ou seja, o sistema foi desenhado para privilegiar velocidade de atendimento, não qualidade da informação.
E depois todos fingem surpresa quando essa informação torta se materializa lá dentro como erro grave.

Para refletir no seu laboratório

Em vez de perguntar só “quanto tempo o paciente espera para ser atendido”, valeria encarar outras perguntas desconfortáveis:

  • quantos retrabalhos começaram por erro de cadastro?
  • em quantos casos foi possível provar isso com dados, e não com opinião?
  • quantas glosas e recusas de convênio têm origem em erro de cadastro?
  • quantas vezes o setor técnico levou a culpa sozinho?

Entender isso dói, mas é o primeiro passo para parar de tratar o setor técnico como vilão de um erro que nasceu bem antes da centrífuga e do analisador.

No próximo conteúdo dessa série, vamos atacar outro ponto “inofensivo” que vive detonando a rotina: a etiqueta que todo mundo trata como papelzinho, quando na verdade funciona como dispositivo de segurança.