Fila de coleta travada: quando o laboratório vira pronto-socorro de reclamação

A maioria dos laboratórios ainda trata fila como algo “natural”.
Tem pico? Tem.
Tem dia ruim? Tem.
Virou paisagem.
O problema começa quando essa “paisagem” passa a ser:
- paciente em pé por 40, 50, 60 minutos
- criança chorando
- idoso cansado
- WhatsApp da unidade fervendo de reclamação
- recepção desabando em stress
Tudo isso sem ninguém conseguir responder, com números na mão, uma pergunta básica:
Por que hoje travou?
Quando a espera deixa de ser incômoda e vira agressiva
Tem um momento em que a espera passa da linha do aceitável e vira motivo para o paciente não voltar nunca mais.
Esse ponto de ruptura geralmente aparece assim:
- gente indo embora antes de ser atendida
- acompanhante cobrando em voz alta
- comparação com “outros laboratórios que não demoram assim”
- médico recebendo queixa do paciente e repassando o recado:
“Adoro o laboratório, mas meus pacientes estão reclamando.”
Internamente, essas situações costumam ser tratadas como:
- “Dia atípico.”
- “Falta de gente hoje.”
- “Deu problema no sistema.”
Só que ninguém mede o suficiente para provar o que é fato e o que é desculpa.
O que realmente alimenta a fila travada
Fila de coleta raramente trava por um único motivo.
Geralmente é a combinação de:
- agendamento e encaixes mal calibrados
- horários de pico previsíveis ignorados
- cadastro lento e cheio de fricção
- número de coletores desbalanceado por horário
- falta de visão em tempo real da fila e da produtividade
Sem enxergar a fila com dados, a coordenação só atua na base do “manda alguém ajudar lá” e “abre mais uma sala”.
É reação instintiva, não gestão.
Sem indicador, tudo vira opinião
Já deve ter acontecido por aí:
- a equipe jura que a espera está enorme
- a coordenação jura que “não é tanto assim”
- a diretoria só enxerga o número de atendimentos no fim do mês
Enquanto isso, ninguém tem na mão:
- tempo médio real de espera por horário
- variação entre unidades
- tempo de ciclo completo do paciente
- produtividade comparada por coletor, com contexto
Sem isso, a discussão é sempre emocional.
E discussão emocional raramente muda processo.
O laboratório vira pronto-socorro de reclamação
Quando a fila sai de controle, o laboratório deixa de ser ambiente técnico e vira sala de crise.
- recepção vira escudo humano
- equipe de coleta começa o dia pedindo desculpa
- gerente perde tempo resolvendo queixa em vez de ajustar fluxo
- a percepção da marca degrada silenciosamente
Importante: o paciente não liga para o motivo técnico.
Ele não quer saber se faltou colaborador, se o sistema caiu, se o convênio mudou a regra.
Ele só guarda uma imagem:
“Lá eu espero demais.”
A fila é sintoma, não causa
Tratar a fila como problema central é engano comum.
Fila é consequência de:
- fluxo pré analítico mal desenhado
- ausência de visão em tempo real
- falta de decisão baseada em dado
Mudar apenas a quantidade de pessoas na coleta, sem olhar para cadastro, agendamento, horários críticos e mix de exames, é pintar o termômetro.
O número até parece melhor por alguns dias, mas a febre continua.
Perguntas que quase ninguém encara
Se o seu laboratório travou na coleta alguma vez nos últimos meses, valeria encarar:
- vocês sabem quais dias e horários mais travam, com número, não com “impressão”?
- alguém acompanha a relação entre fila, absenteísmo e escala de coleta?
- o tempo de espera hoje é monitorado ou só conhecido quando vira reclamação?
- existe uma forma estruturada de aprender com cada dia de caos, ou ele é engolido e esquecido?
Enquanto a fila for tratada só como “dia ruim”, a tendência é que ela volte, igual ou pior, no próximo pico de demanda.
No próximo post, vamos descer para a bancada e tocar em outro clássico que ninguém gosta de admitir: o tubo errado no exame certo.

