
Episódio 2 – Etiquetas ilegíveis: o pequeno detalhe que faz o laudo sumir
No dia a dia de laboratório, etiqueta costuma ser tratada como detalhe.
Até o dia em que uma delas some, apaga, descola, duplica ou embaralha um tubo inteiro.
Aí não é mais “detalhe”.
Vira incidente.
O que acontece quando a etiqueta falha
Alguns cenários são tão frequentes que já deveriam ter nome próprio.
- Etiqueta que descola no gelo ou na centrífuga
Na bancada aparece um tubo sem identificação. Surge a frase que ninguém gosta de dizer, mas todo mundo conhece:
“Não dá para garantir de quem é. Tem que recolar.”
- Duas etiquetas no mesmo tubo
Pressa na coleta, impressora cuspindo etiqueta, rotina puxada. Uma etiqueta em cima da outra.
O analisador lê? Lê mais ou menos.
O sistema registra? Às vezes.
O risco de amostra trocada dispara. - Impressão falhada / borrada
Térmica fraca, cabeçote sujo, ajuste de calor ruim. Na hora que imprime, “dá pra ler”. Depois de uma hora, a leitura ótica já sofre. Depois de três, a equipe está decifrando hieróglifos. - Etiqueta colada no lugar errado
Colada na tampa, em cima da marca de nível, torta a ponto do leitor ótico não pegar.
A mesma desculpa se repete:
“Na correria, foi o jeito.”
Etiqueta não é papel. Etiqueta é segurança
Tratar etiqueta como se fosse mero “adesivo de identificação” é ignorar o papel real dela na segurança do paciente.
Ela é:
- o CPF da amostra
- o guia de rota dentro do laboratório
- o elo entre o que está no tubo e o que aparece no laudo
Se esse elo falha, não existe “jeitinho seguro” para consertar. Ou você tem rastreabilidade confiável, ou tem improviso.
A origem do problema raramente é só técnica
Quando uma etiqueta dá problema, é comum ouvir:
- “A impressora é ruim.”
- “Esse rolo de etiqueta veio com defeito.”
Só que quase nunca se olha para o todo:
- procedimento de troca e teste de rolo
- padrão de posicionamento da etiqueta no tubo
- condição física do equipamento
- treinamento e cobrança de padrão em coleta
Na rotina, o que mais influencia é:
- pressa para liberar a fila
- falta de padrão visual claro do que é etiqueta “aceitável”
- ausência de indicador específico sobre erro por etiqueta
Sem medir, tudo vira percepção.
E percepção, em geral, protege o hábito, não o paciente.
Quando a etiqueta falha, o que o paciente enxerga?
Para o paciente, pouco importa se a etiqueta apagou, descolou ou foi colada errado. Ele não vê o bastidor.
Ele enxerga:
- exame cancelado
- retorno desnecessário à unidade
- médico ligando inconformado
- sensação de “laboratório desorganizado”
Na cabeça do paciente, a frase é simples:
“Perderam meu exame.”
Mesmo que tecnicamente a amostra esteja na bancada, o fato é: a informação segura sobre ela se perdeu.
O custo silencioso da etiqueta descuidada
Cada erro de etiqueta gera:
- desperdício de insumo
- uso de reagente que não resultou em laudo útil
- tempo técnico jogado fora
- esforço da central de atendimento para explicar o inexplicável
- desgaste emocional da equipe de coleta
Tudo isso somado não aparece em uma linha única no DRE, nem em relatório de “resultado mensal”.
Mas corrói a operação todos os dias.
Para provocar dentro do laboratório
Algumas perguntas que quase ninguém se faz com seriedade:
- quantos exames por mês são cancelados ou refeitos por problema de etiqueta?
- quantos incidentes internos de “amostra não rastreável” existem e como são classificados?
- existe padrão claro de “etiqueta aceitável” versus “etiqueta que deve ser reimpressa”?
- a manutenção de impressoras e suprimentos é tratada como item crítico ou como “quando der, a gente vê”?
Enquanto etiqueta continuar sendo tratada como papelzinho que cola no tubo, incidentes vão seguir sendo encarados como azar ou exceção, nunca como consequência lógica de um processo frouxo.
No próximo post, a lente vai para outro ponto de dor que o paciente percebe de cara: a fila de coleta que trava e transforma o laboratório em pronto atendimento de reclamação.

